Thiago Goulart
O que é yoga para você?
Para mim o yoga é uma comunhão harmoniosa e límpida, clara, sem distorções, com a vida em todos os aspectos, nas relações sociais, familiares, com a natureza e o respeito a vida. Essa harmonia acontece através da prática e do estudo, que nos possibilitam o reencontro com a paz e felicidade que já estão conosco, o retorno a fonte. Alguns mestres dizem que não há busca nem purificação a ser feita, apenas o reconhecimento de nossa perfeição inata que não conseguimos perceber por causa da educação limitante, a sociedade e seus dogmas envoltos na competitividade e normatização dos indivíduos, por estarmos tão envolvidos nesse frenesi da vida, esquecemos que já somos tudo aquilo que buscamos.
Esse reencontro consigo mesmo é possível através do caminho da ação, o sadhana (prática espiritual) no qual o adepto se lança, de acordo com a tradição escolhida, em que a intensidade da energia que emprega, sua dedicação, sua vontade sincera de querer reencontrar-se é determinante para o sucesso no yoga. Na maioria das vezes intuímos, sentimos que já somos perfeitos, completos, percebemos as camadas que nos limitam para a experiência da plenitude e a expressão dela na vida do dia a dia, uma felicidade que é atingida depois que fizemos as pazes com o mundo e as pessoas a nós ligadas (karmas familiares que se resolvem, por exemplo) e principalmente, quando realizamos que não há qualquer suporte exterior – drogas, relacionamentos, dogmas, jogos sociais – que nos alimente de verdade, pois apenas o contato com o âmago do ser nos tornará verdadeiramente felizes e completos. Denominamos na tradição yogi e tântrica como “nirālambāya”, literalmente traduzido, “sem suportes”.
Costumo dizer que, mais nos dedicamos a prática, ao estudo e ao emprego da cultura do yoga, nos tornamos nossos próprios psicólogos, curandeiros, conselheiros… O yoga não substituirá profissionais modernos em determinadas situações, mas pode ser um grande aliado a estas outras ciências, pois yoga é ciência também.
O que você gostaria de ver acontecer com o yoga em Itaparica nos próximos 5 anos?
Que a infraestrutura da ilha seja melhorada de forma sustentável, para aproveitar melhor os espaços naturais que tem por aqui. São inúmeras paisagens de cartões postais, mas negligenciadas pelo descaso e falta de visão do poder público. Seria ótimo dar aulas de yoga em diferentes paisagens, o que não é possível pela falta de acesso a estes pontos.
Qual a sua mensagem para os instrutores de yoga do Brasil?
O yoga, na visão da tradição a qual me dedico, o yoga tântrico cachemiriano, é uma via de reconhecimento, redescoberta, não de mortificações ou purificações. Uma via para o reconhecimento de nossa plenitude e completude, muito mais do que uma busca frenética e constante por purificações para que, quem sabe um dia, possa acontecer o “despertar”. Todos já tivemos em algum momento a experiência do despertar, normalmente na infância ou adolescência, quando temos mais contato com a fonte, por não estarmos tão polidos pela sociedade e seus conceitos. Já temos e sabemos muito, mas esquecemos, e é esse o papel do mestre autêntico, fazer o discípulo relembrar do seu poder e ter o contato mais frequente com esta fonte sagrada, em que o discípulo realiza plenamente o mestre nele mesmo. A partir daí não há mais necessidade de um mestre, este torna-se alguém por quem temos amor e respeito, mas de forma alguma submissão. Há um grande erro, na minha visão, na interpretação do yoga: se este procura nos livrar de condicionamentos, automatismos, porque, ao começar a praticar, se adotam muitos outros condicionamentos, automatismos? Há pessoas que eram mais livres e espontâneas sem o yoga, que com o yoga ficaram altamente condicionadas, robotizadas! São sujeitas a maniqueísmos, regras de como agir por parte de seus mestres… Uma tragédia… A mensagem é que tenham plena confiança em si mesmos, pois nada está em falta, mesmo que se tenha pouca erudição, o conhecimento de textos complexos… Estes podem de alguma forma ajudar, mas em algum momento devem ser abandonados. O mais importante é o contato com o coração, estar nessa vida em plena consciência. Pôr á prova o ensinamento e apenas então adotar para si, além do conceito moralizante. Patanjali em seu Yoga Sutras é um exemplo, ele (ou eles, não se sabe se era mais de uma pessoa) se expressou através do absoluto, não de um conceito de bem ou de mal. Todos intuímos o que ofende a vida, o que desrespeita ao próximo. Não precisamos de livros para nos dizer o que é certo ou errado, isso é um desrespeito a inteligência do adepto. Esteja estabelecido em sua consciência, seja livre! Mas tudo isso é possível através da prática, que nos revela a natureza do ser e uma intuição afiada para captar plenamente os ensinamentos dos textos, que estão em linguagem crepuscular, ou seja, reservada apenas a iniciados, ou seja, a quem aprende e põe em prática o que aprendeu, simples assim.